Home Artikel Dialog zwischen-religiös Raimundo Lúlio perante a crítica atual ao diálogo inter-religioso
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Geschrieben von: Alexander Fidora   
Dienstag, 14. Oktober 2008 um 00:00
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Alexander Fidora

J. W. Goethe-Universität Frankfurt am Main

Raimundo Lúlio perante a crítica atual ao diálogo inter-religioso:

A Arte luliana como proposta para uma “Filosofia das religiões”*

0) Introdução

 

O objetivo desta comunicação consiste em situar Raimundo Lúlio (Ramon Llull) (1232-1316) dentro das discussões contemporâneas sobre a possibilidade de um diálogo inter-religioso e, por conseguinte, sobre a possibilidade de uma coexistência pacífica das religiões, destacando a contribuição luliana a este debate. Para isso, encaminharemos a discussão de três pontos:

1. Primeiro apresentaremos, embora apenas em linhas gerais, as duas posturas católicas de maior peso frente às outras religiões e à possibilidade do diálogo inter-religioso, ou seja, o chamado exclusivismo e a sua réplica, o inclusivismo. A seguir, exporemos a recente crítica a estas duas posturas, que se constitui na Teologia pluralista das religiões, a qual acredita que a Igreja encontra-se perante um dilema ecumênico que lhe impede de entrar em um diálogo inter-religioso sério.

2. Em segundo lugar analisaremos as perspectivas e as questões que aparecem na descrição do panorama atual da proposta filosófico-teológica de Lúlio. Aqui, depois de a) apresentar brevemente a vida e a obra de Lúlio frente ao exclusivismo e ao inclusivismo, vamos mostrar como b) o maiorquino contribui com uma interessante solução ao suposto dilema ecumênico, abrindo a possibilidade de um diálogo pacífico entre as religiões –resposta cuja expressão máxima é c) a Arte luliana, que será estudada em função do diálogo inter-religioso–.

3. Em último lugar, e a guisa de conclusão, relacionaremos novamente os resultados obtidos do exame de Lúlio com a teologia atual. Aqui teremos de nos perguntar até que ponto eles parecem viáveis –também a partir da situação moderna– para guiar o diálogo inter-religioso em nossos dias, contribuindo assim à coexistência pacífica das religiões.

 

1) Exclusivismo, inclusivismo e o suposto dilema ecumênico.

 

A Igreja católica, como todas as comunidades de crentes, teve de ir definindo desde seus inícios a sua postura diante de uma multidão de religiões divergentes, as quais, assim como ela, proclamam-se vias de salvação únicas. Certamente, não será possível aqui reconstruir minuciosamente e com todos os seus matizes as posturas defendidas pela Igreja católica no que diz respeito a esta aparente competência salvadora ao longo da sua história. Limitar-nos-emos, portanto, a apresentar as duas posturas mais significativas sobre este assunto, assim como sua recente crítica, o dilema ecumênico[1].

 

A primeira destas duas posturas, o exclusivismo, pretendia que a Igreja católica fosse a única via de salvação em sentido exclusivo; isto quer dizer que Deus se entregou ao homem só em Jesus Cristo, cuja presença se prolonga só pela Igreja, de maneira que fora da Igreja é impossível participar da graça divina. Como disse um dos primeiros representantes do exclusivismo, Cipriano, embora não o fizesse dirigindo-se aos crentes de outras religiões, mas apontando para os renegados da própria fé cristã: Salus extra ecclesiam non est –“Não há salvação fora da Igreja”–[2]. Na ótica do exclusivismo, o destino dos crentes de outras comunidades religiosas seria, portanto, a perdição absoluta. É óbvio que esta postura encerra vários problemas teológicos, pois como explicar satisfatoriamente desta maneira o destino de todos aqueles que, ou por terem nascido antes da encarnação, ou por não terem notícia dela, não puderam ou não podem aderir à Igreja católica? Temos que considerar suas almas como perdidas, quando eles não são responsáveis por sua ignorância? Aliás, foi precisamente esta a postura que serviu de justificativa para as cruzadas.

 

Estes e outros problemas levaram a Igreja a reformular a questão do exclusivismo por ocasião do Vaticano II (1962-1965), favorecendo, então, uma concepção chamada inclusivista. Assim, o teólogo alemão Karl Rahner, já em 1961, insistiu em que não era suficiente remediar, digamos, a situação dos judeus que precederam historicamente a encarnação,[3] como fez Justino com a sua teoria do lógos spermatikós e, junto com ele, a teologia tradicional[4]. Para Rahner, era necessário ampliar esta doutrina em função da história individual de cada pessoa, afirmando a presença da graça divina como existência universal. Desta maneira, para ele, também as religiões não-cristãs como objetivações deste existencial são “legítimas” (assim menciona Rahner literalmente) e têm seu valor próprio, o que faz delas vias de salvação, desde que a pessoa que a elas adere não tenha entrado ainda em um contato imediato com o Cristianismo. Porém, para Rahner, esta legitimidade está fundamentada, por sua vez, no próprio Jesus Cristo[5]. Deste modo, ele fala dos crentes de outras religiões que não chegaram ao encontro da religião cristã como “cristãos anônimos”[6]. Esta expressão, que tem suscitado grande polêmica, é crucial, já que com ela o teólogo alemão reivindica que as experiências sobrenaturais que experimentam os crentes das demais religiões fazem parte da graça que se cumpre em Cristo. A postura inclusivista não abandona, portanto, a pretensão de o cristianismo ser a única via de salvação, pelo contrário, reafirma esta pretensão, mas a matiza no sentido de que também fora do cristianismo se pode e se deve supor a graça divina, embora esta sempre esteja incluída em Cristo. Seguindo estas linhas, o Vaticano II não só recomendou o diálogo com as religiões não-cristãs, como também reconheceu a importância destas como vias de salvação, ainda que no sentido limitado que acaba de ser exposto. Neste contexto, cabe citar, sobretudo, o decreto Nostra aetate promulgado em 28 de outubro de 1964, no qual, muito claramente, é perceptível a postura inclusivista[7]. E na mesma linha, devemos mencionar o documento vaticano mais recente com o nome de Christianity and the World Religions[8].

 

Frente ao exclusivismo, a postura inclusivista oferece a possibilidade de explicar satisfatoriamente como os membros de outras comunidades religiosas também têm acesso à salvação. Além disso, o reconhecimento de que as demais religiões também contêm elementos de graça abre a possibilidade de um diálogo sério e pacífico entre as religiões, no qual a religião do outro não é vista simplesmente como uma manifestação de erros e falsidades, mas também como portadora da verdade.

 

Porém, embora a postura inclusivista tenha sido avaliada geralmente como um grande avanço até pelos seus críticos[9], estes afirmam que, apesar de tudo, é necessário ir além não só do exclusivismo, mas também do inclusivismo, porque, segundo defendem os representantes da Teologia pluralista das religiões[10], ao não abandonar a idéia de que Cristo seja a única via para a salvação, o inclusivismo não faz outra coisa senão recair nos mesmos problemas que o inclusivismo, embora em um nível mais elevado. E isto pela seguinte razão: enquanto o exclusivismo nega definitivamente às outras religiões a possibilidade de acessar à verdade da salvação, o inclusivismo outorga-lhes esta verdade, mas sempre concedendo-a em função da sua relação com a verdade cristã, de maneira que o cristão parece não poder entrar em um verdadeiro diálogo com os crentes de outras religiões. A este respeito, um dos críticos mais famosos do inclusivismo, John Hick, quis falar do Ecumenical Catholic’s Dilemma[11], ou seja, do dilema que se apresenta ao crente católico ecumênico que segue a doutrina inclusivista tal como esta se encontra, por exemplo, no documento Christianity and the World Religions. Concretamente, e dito com as palavras do próprio Hick, este dilema consiste no seguinte:

 

“Logicamente um não pode afirmar a superioridade única do Cristianismo, sem ‘considerar já antecipadamente, as demais religiões como imperfeitas e inferiores’. É impossível reconciliar a pretensão tradicional da superioridade única do Cristianismo com a atitude aberta que se requer para o verdadeiro diálogo inter-religioso”[12].

 

Em tal diálogo, segundo a crítica de Hick e de outros, o cristão não tem nada que aprender do outro, porque sua verdade é uma verdade inquestionável, na qual ele identifica a origem da verdade de todas as outras religiões, desde que se encontre nelas algo de verdadeiro. Mais que diante de um diálogo, estaríamos então diante de um monólogo. É por este motivo que Hick, e com ele todo um movimento importante da teologia contemporânea, aponta para a necessidade de se dar um passo além e, como dizem seus representantes, “cruzar o Rubicão”: para isto deveríamos despedir-nos não só do exclusivismo, mas também do inclusivismo na medida em que ambos mantêm o caráter único da verdade cristã, ao mesmo tempo que deveríamos afirmar a verdade relativa das diferentes religiões. Já que, segundo os teólogos pluralistas, é precisamente este conceito de unicidade que nos impede entrar em um diálogo sério e pacífico com as demais religiões. Assim, para eles, todas as religiões devem ser consideradas manifestações do divino, sem que nenhuma delas tenha o direito a reclamar que unicamente ela seja a via da salvação por excelência, tanto no sentido exclusivo quanto no inclusivo. Perante o aparente problema de que não pode haver diálogo nem paz se insistirmos na verdade única, os teólogos pluralistas apostam, assim, a favor do diálogo e contra a verdade única.

 

Não nos cabe aqui advertir para os numerosos problemas internos que derivam desta concepção, sobretudo no que se refere às suas conseqüências para a noção da verdade, mas também, e talvez este argumento seja mais decisivo ainda, quanto à maneira de entender e interpretar as religiões por si mesmas[13]. O que, em contrapartida, pretendo fazer a seguir é demonstrar como desde a apologética luliana é possível, do meu ponto de vista, entrar em um diálogo sério e pacífico com as religiões não-cristãs sem que os dialogantes devam desfazer-se, para isto, da pretensão de que suas respectivas religiões sejam as vias da salvação por excelência.

 

2) Raimundo Lúlio e seu sistema filosófico-teológico como possibilitador do diálogo

a) Uma obra e vida a serviço do diálogo: Lúlio, precursor do inclusivismo

Proponho, assim, que, guardando em mente este panorama atual e seus problemas, demos agora um salto atrás no tempo, a saber, à ilha de Maiorca, onde em 1232 nasceu Raimundo Lúlio. O início de sua carreira intelectual remonta a meados do século XIII quando o estudioso maiorquino servia ao rei de Maiorca, Jaume II; primeiro como seu preceptor e depois como senescal. Na corte real, Lúlio, então um jovem galã, abandonava-se à poesia trovadoresca para cortejar as damas da nobreza. Embora esses primeiros ensaios literários não tenham sido conservados, sabemos algo sobre eles através da Vita coaetanea, a autobiografia que Lúlio ditou a um cartuxo de Vauvert[14]. Esta, aliás, informa que foi em uma noite do ano 1263, enquanto Lúlio estava na sua câmara compondo precisamente uma dessas cantigas amorosas, quando sua vida deu uma reviravolta ao aparecer Cristo crucificado. Dita aparição voltou a repetir-se nas seguintes noites, até que Lúlio, como resposta a estas aparições, estabeleceria as três seguintes metas para sua vida: sofrer o martírio a serviço de Cristo, escrever o “melhor livro do mundo contra os erros dos infiéis” e fundar uma escola de idiomas para as exigências da missão[15].

 

É sabido que a segunda destas metas, a conversão dos infiéis, não mediante a espada mas com a pena, era para Lúlio, à diferença de muitos autores medievais, não só um objetivo intelectual, mas também uma exigência existencial, porque, sem dúvida nenhuma, Lúlio teve ocasião de convencer-se da necessidade política de uma concordância religiosa na sua ilha natal, que foi reconquistada por Jaume I em 1229, assim como também do fracasso da apologética tradicional do seu tempo. Esta, baseando-se sobretudo na exegese da Bíblia, ainda podia dar algum resultado no diálogo com os judeus, que compartilhavam pelo menos o Antigo Testamento com os cristãos. No caso dos muçulmanos, porém, era mais difícil encontrar um ponto de partida comum. Portanto, se Lúlio queria escrever “o melhor livro do mundo contra os erros dos infiéis”, apresentava-se a necessidade de escrever uma obra missionária diferente de todas as que existiram até então. Esta deveria partir dos pressupostos comuns a todas as religiões, ou seja, afirmar as verdades que se contém nas religiões não-cristãs, assim como faz o inclusivismo, para chegar desde esta premissa à religião verdadeira por excelência: o cristianismo. Lúlio, contudo, não pôde ainda extrair desta sua postura todas as conseqüências dogmáticas atuais e reconhecer as outras religiões, pelo menos em certa medida, também como vias da salvação[16]. Ora, até que Lúlio pudesse cumprir com sua segunda meta transcorreram mais de dez anos, nos quais ele se dedicou ao estudo da filosofia e da língua árabe, compondo a Lògica de Gatzzell, assim como o importante Llibre de contemplació en Déu, pois faltava-lhe a intuição-chave de que precisava para confeccionar tal livro contra os infiéis. O know-how, por assim dizer, para fazer este livro não foi alcançado por Lúlio até o ano de 1274, quando, como informa de novo a Vita, estando no Puig de Randa, sua mente foi iluminada por Deus, iluminação que lhe deu “forma” e “maneira” para fazer tal livro[17]. A partir desta iluminação, à qual Lúlio deve seu apelido Doctor Illuminatus e pela qual recebeu o método do livro a ser redigido –que será a Arte–, a produção literária apologética de Lúlio, assim como sua atividade prática missionária, não teriam descanso[18]. Desta forma, Lúlio, durante toda sua vida, visaria entrar em um diálogo que se fundamentava em um reconhecimento inclusivista das verdades contidas nas demais religiões, razão pela qual Lúlio merece ser considerado um dos protagonistas do diálogo inter-religioso da Idade Média, se não o seu maior representante. Este papel foi assumido não somente na Idade Média, mas, como quero demonstrar a seguir, ele ainda pode prevalecer para nós na atualidade.

b) Lúlio e o suposto dilema ecumênico: duvidar e filosofar como soluções

Para apreciar com maior clareza esta atualidade que reivindicamos para Lúlio, vejamos agora sua atitude frente ao problema que nos foi apresentado pela crítica ao exclusivismo e ao inclusivismo no ponto anterior, ou seja, o dilema do católico ecumênico –título que sem dúvida nenhuma também corresponde a Lúlio–. A pergunta que parecia levar a este dilema era, lembrando-a novamente, a seguinte: é possível afirmar que a própria religião –neste caso o cristianismo– seja a via da salvação por excelência a partir de uma perspectiva inclusivista, e entrar, ao mesmo tempo, em um diálogo aberto com representantes de outras religiões? Lúlio evidentemente estava convencido de que sua religião era a única via de salvação e foi até muito pessimista com relação à força de salvação das outras religiões, apesar de manter, como foi dito, uma postura inclusivista no que se refere à possibilidade de as demais religiões conterem elementos de verdade. Assim, em diversas ocasiões, como no Blanquerna, encontramo-lo postrando-se diante da cruz em lágrimas pedindo a Deus que o ajudasse na conversão dos infiéis para que não caíssem na perdição eterna. Portanto, o suposto dilema do católico ecumênico não somente é aplicável a Lúlio, como também apresenta-se aqui de maneira ainda mais radical.

 

Pois bem, parece que Lúlio estava ciente deste aparente dilema, todavia acreditou ser possível manter um diálogo sério e pacífico com as outras religiões. Um trecho muito significativo a este respeito encontra-se na já mencionada Lògica de Gatzzell, uma poesia doutrinal que Raimundo Lúlio redigiu antes de receber a intuição de sua Arte. À vista das disputas com os judeus e muçulmanos, nesta poesia Lúlio aponta precisamente para o dilema descrito por Hick, uma vez que aqueles, por acreditarem serem os únicos portadores da verdade, não entraram segundo Lúlio, em um diálogo sério e pacífico sobre as religiões:

 

“Assim o fazem os infiéis / que não acreditam que o Deus do céu / seja em santa trindade / nem que se encarnasse em Santa Maria, / porque, já antes de começar a raciocinar, / não acreditam e dizem que não, / e porque não acreditam no início, / seu intelecto / não tem com que ir procurar / o que poderia encontrar / se não fosse impedida sua virtude / pela impossibilidade / na qual acredita / ao começar a disputar; / a estes [ou seja, os infiéis] valeria mais duvidar, / já que por duvidar se mostra / o que é possível”[19].

 

Lúlio lamenta, assim, que os infiéis não entrem no jogo do diálogo, já que acreditam de maneira exclusiva na sua verdade e, por isso, afirmam, já desde o início, que os dogmas da fé católica são impossíveis, assim como, segundo Hick, ninguém pode entrar em um diálogo se acredita ser sua verdade superior. Mas Lúlio, neste mesmo trecho, já esboça uma possível solução para este dilema, introduzindo o conceito de dúvida que se caracteriza precisamente por tomar uma postura de neutralidade no que se refere à afirmação e à negação. Assim, no diálogo, a dúvida inicial deve admitir a possibilidade da verdade do adversário.

Como outra amostra de que Lúlio conhecia os perigos de tal dilema, pode-se aduzir um trecho do Blanquerna; uma das primeiras novelas burguesas européias que narra a ascensão do seu protagonista homônimo por todos os cargos eclesiásticos até ao papado. Nesta obra Lúlio nos conta que quando Blanquerna, sendo cardeal em Roma, soube de um judeu e um cristão que disputavam com má vontade um dia na cidade sobre suas respectivas religiões, foi vê-los para dizer-lhes o seguinte:

 

“Ainda possui outra natureza o intelecto para entender, isto é, que uma pessoa afirme que aquilo que a vontade quer que o intelecto entenda, seja algo possível; pois se antes de o intelecto entender, afirma que tal coisa é impossível, então o intelecto não estará capacitado para entender a possibilidade ou impossibilidade que se desprende desta coisa. [...] e se com tudo isto a pessoa não pode compreender, convém que recorra à obra Arte abreviada de encontrar verdade”[20].

 

Evidentemente, o cardeal Blanquerna encontra-se diante do mesmo problema exposto na Lògica de Gatzzell: os dois debatedores afirmam ter a posse exclusiva da verdade única e por conseguinte afirmam, categoricamente, a impossibilidade das verdade do afirmado pelo outro. E, também neste caso, o conselho de Lúlio continua sendo o de não se desviar no começo do diálogo nem para um lado nem para outro, e acreditar que a opinião do adversário possa também ser possível.

 

A conclusão que podemos inferir destes dois exemplos é a seguinte: para Lúlio todo diálogo inter-religioso deve partir do que em nossos dias se chama o principle of charity (Donald Davidson), ou seja, da suposição de que o que o outro quer nos dizer tem, possivelmente, um conteúdo proposicional verdadeiro. E esta é só uma face da moeda, porque ao mesmo tempo as próprias crenças, ao entrar no diálogo, também devem formular-se de maneira duvidosa, ou seja, como verdades meramente possíveis, pois de não ser assim não estaríamos em condições de reconhecer a possível verdade da religião do nosso interlocutor. Seguramente Hick, e com ele os teólogos pluralistas, concordariam até aqui plenamente com Lúlio, tirando de tudo isso a conclusão de que, precisamente para garantir esta atitude aberta com relação à possível verdade do outro, deve concluir-se que não existe nenhuma religião que possa reclamar para si o título de religião por excelência.

 

Lúlio, pelo contrário, não chega a estas conseqüências céticas e em certa medida precipitadas: para ele esta regra fundamental da hermenêutica, que acabamos de apresentar, não implica que seja impossível falsificar o que o outro diz e provar a própria posição, ou o inverso; para ele esta regra unicamente pretende que no início de todo diálogo esteja presente a suposição de que as asserções do outro possam ser verdadeiras e as próprias falsas. Mas esta suposição inicial de forma nenhuma conduz a uma relativização das diferentes religiões, cujas respectivas pretensões de verdade deveriam ficar em suspenso. Frente a este problema Lúlio, no Llibre de demostracions, especifica da seguinte maneira o que ele entende por supor a possibilidade de que a religião do outro seja verdadeira:

 

“A segunda condição é que se conceda ao intelecto a possibilidade de entender por razões necessárias [...]; já que se no início se negasse esta possibilidade, o intelecto não teria modo nem remédio para entender e investigar se lhe é possível ou impossível entender [...][21]”.

 

O importante aqui é compreender que a possibilidade de as asserções de uma religião qualquer serem verdadeiras não é uma possibilidade que não se possa esclarecer e decidir posteriormente, senão que ao admitir esta possibilidade, o dialogante admite a possibilidade de que as perguntas que se debatem possam ser formuladas e resolvidas todas por meio do intelecto ou da razão[22]. Assim, a possibilidade de as diferentes religiões serem verdadeiras, o que necessariamente tem de ser suposto ao iniciar-se o diálogo, para Lúlio, à diferença de Hick, não é uma possibilidade tout court, mas uma possibilidade real na medida em que suas asserções são todas elas possíveis objetos da razão. O que decorre desta possibilidade não é um relativismo, mas precisamente a necessidade de se comprovar racionalmente a pretensão de verdade das diferentes posições que estão em jogo. A preeminência de uma religião sobre as outras não se concederá segundo os argumentos inerentes a cada uma delas, mas o critério da sua verdade será sua inteligibilidade à luz da razão. Eis aqui uma primeira resposta de Lúlio, que insiste na força da razão filosófica –embora arranque da dúvida– e que ao mesmo tempo vai além do relativismo, ao suposto dilema de Hick.

 

Ora, sempre tem-se insistido em que as regras do raciocínio filosófico são universais para todos os homens. Não obstante, resulta mais fácil afirmar que o diálogo das religiões deve focalizar-se a partir da razão ou, inclusive, a partir da filosofia, do que não pôr em prática este propósito. Por quê? Qual seria essa razão, a filosofia? A razão ou filosofia prática, ou a teórica? E, inclusive, se pudermos decidir-nos por uma ou por outra, a qual de suas respectivas manifestações nos estamos referindo: à lógica, à ontologia, à teologia filosófica, à ética, à política ou a qualquer outra das chamadas ciências do espírito? O critério da razão universal mostra-se assim com uma grande variedade de facetas; ainda mais em um tempo como o nosso, no qual predomina uma fragmentação dos diferentes âmbitos da razão. É por este motivo que, para especificar a razão que deve guiar o diálogo inclusivista entre as religiões e codificar as suas regras, Lúlio concebe uma nova ciência, a sua Ars. Assim, como já aconselhou o cardeal aos dois dialogantes do Blanquerna, “convém que se recorra à Arte abreviada de encontrar verdade” se se quer manter um diálogo sério e pacífico que não negue de entrada a verdade do outro, mas que também não conduza a uma relativização dos diferentes credos como faz, por exemplo, o da teologia pluralista. A resposta ao dilema ecumênico que oferece Lúlio com seus conceitos de dúvida e de razão, e que temos delineado aqui, remete, pois, ela mesma à Arte luliana. Devemos expor, portanto, a Arte.

 

c) A Arte luliana como filosofar universal e integral.

 

A interpretação da Arte luliana tem oscilado desde o Renascimento até nossos tempos entre dois pólos: destarte, dois eruditos tão importantes e relativamente recentes como Joseph Bochenski e Wilhelm Risse classificaram a Arte luliana de “lógica matemática” e de “metafísica”, respectivamente[23]. Porém, ambas as interpretações não chegam a descrever adequadamente o estatuto epistemológico da Arte como ciência missionária e do diálogo inter-religioso. Mas vamos passo a passo, analisando a Ars brevis que, junto com a Ars generalis ultima, é a última expressão da Arte luliana.

 

Para começar, temos de recordar que a Arte luliana repousa sobre dois pilares, sendo o primeiro deles o chamado alfabeto, que Lúlio introduz no princípio da Ars brevis e que pode ser resumido da seguinte maneira:[24]

 

A
Princíp. abs.Princíp. rel.Perguntas

Sujeitos

Virtudes

Vícios

B

BonitasDifferentiaUtrum?DeusIustitiaAvaritia
CMagnitudoConcordantiaQuid?AngelusPrudentiaGula
DAeternitasContrarietasDe quo?CaelumFortitudoLuxuria
EPotestasPrincipiumQuare?HomoTemperantiaSuperbia
FSapientiaMediumQuantum?ImaginativaFidesAccidia
GVoluntasFinisQuale?SensitivaSpesInvidia
HVirtusMaioritasQuando?VegetativaCaritasIra
IVeritasAequalitasUbi?ElementativaPatientiaMendacium
KGloriaMinoritasQuo modo / cum quo?InstrumentativaPietasInconstantia

 

A primeira série de princípios que aqui são reproduzidos costumam ser chamados de princípios absolutos, embora esta denominação não tenha sido dada por Lúlio, que, nas suas primeiras obras, os nomeava dignitates, passando a nomeá-los depois, simplesmente, de principia[25]. Tanto a palavra dignitas quanto o nome de principia remetem à tradição aristotélica dos Analitica posteriora, na qual se estabelece que cada ciência parte de princípios per se nota que não podem ser comprovados, pelo menos não pela própria ciência. Seguindo esta tradição, para Lúlio estes princípios também não são passíveis de demonstração. Aliás, são os mesmos atributos de Deus que, como causas exemplares, são pela sua vez os principia essendi e os principia intelligendi da criação. É por este motivo que não podem ser provados, já que são a condição da possibilidade do ser e do conhecer. Mas –e com isto voltamos à intenção dialogante de Lúlio– tampouco é necessário prová-los, porque eles representam um lugar comum nas três grandes religiões do livro.

Enquanto estes atributos divinos, segundo Lúlio, são indistinguíveis quando se encontram em Deus, quando estão realizados na criação podem ser diferenciados e relacionados. Dessa forma, Lúlio introduz, em segundo lugar, uma série de princípios relacionais tais como “diferença”, “concordância”, “contrariedade” etc que abrangem todos os seres intra-mundanos. Com isto, a cosmovisão de Lúlio possui dois eixos: um vertical, que liga a criação à sua causa transcendente mediante os princípios absolutos, sendo estes as causas exemplares do mundo, e outro horizontal, que descreve o dinamismo entre as criaturas a partir das diferentes relações que se dão entre elas. Também esta convicção, ou seja, a de que as dignitates são idênticas em Deus, mas que fora dele se distinguem, é um lugar comum das três grandes religiões.

 

Como também depreende-se das outras séries de princípios, Lúlio parte na sua ciência, de uns princípios materiais que representam conteúdos extra-mentais comuns a todas as grandes religiões. E estes não são só ontológicos, mas também éticos, como se vê nas virtudes e nos vícios do alfabeto. Com isto não somente vemos confirmado seu inclusivismo, mas também estamos diante da primeira diferença importante entre a sua Arte e a lógica formal: enquanto esta última só garante a correção formal do silogismo, a Arte parte de princípios que não só expressam procedimentos, mas realidades ontológicas e éticas.

 

Uma vez que se temos relacionado o uso dos princípios em Lúlio com a teoria da ciência de Aristóteles, poderemos dizer que a ciência luliana é metafísica? À primeira vista, poderia parecer que temos de identificar ambas as ciências, mas como integrar nesta perspectiva os atributos divinos que nos apresentam Deus não como o primeiro motor, mas com os traços característicos do Deus pessoal? Parece, então, que a respeito do primeiro pilar da Arte, nem a interpretação da mesma como lógica nem como metafísica é convincente.

 

Até aqui tem sido exposto o aspecto material da Arte; cabe agora apresentar seu segundo pilar, que consiste no seu caráter formal. Antes de começar a expor as figuras e para melhor entendê-las, devemos destacar a primeira das perguntas da terceira coluna do alfabeto, ou seja, a pergunta “se”, que nos remete ao contexto da dúvida sistemática que expusemos no último item:

 

“B. [A pergunta] ‘se’ tem três espécies: a dúvida, a afirmação e a negação, para que o intelecto no começo suponha as duas partes de uma questão como possíveis, e não se empenhe em acreditar, uma vez que este não é o seu ato, senão o entender. E deve aceitar aquela parte com a qual seja maior seu entendimento. Porque esta tem que ser verdadeira”.

 

Mais uma vez, Lúlio insiste na necessidade de se aproximar ao diálogo inter-religioso desde uma ótica que elimine todo preconceito que possa afetar a discussão filosófica sobre as diferentes matérias, sejam elas religiosas ou de outro tipo. A Arte luliana segue, então, a pauta de tomar em consideração todas as asserções possíveis, avaliando-as pela sua inteligibilidade[26]. É para isto que Lúlio elabora suas célebres figuras, que não fazem outra coisa senão gerar sistematicamente todas as combinações ou asserções que se possam formar com os princípios materiais compartilhados por todas as religiões.

 

Vejamos pois as figuras:

 

A primeira das quatro figuras (veja-se o apêndice), a Figura A, demonstra a mútua predicabilidade e a convertibilidade dos princípios absolutos em Deus. Porém, esta figura não é exclusivamente teológica, mas também aplica-se à criação enquanto nela se encontram realizados os princípios absolutos. Portanto, diz Lúlio, esta figura serve para descer do universal ao particular e vice-versa. É este o caminho que, ao tratar dos princípios, caracterizou-se como a dimensão vertical da Arte.

 

A segunda figura, de nome T, coloca em ordem sistemática os princípios relacionais, agrupando cada três deles nas três pontas de um triângulo. Assim, o triângulo verde, por exemplo, contém nos seus ângulos “diferença”, “concordância” e “contrariedade”, termos que se diferenciam segundo o âmbito da realidade à qual são aplicados. Com esta figura, Lúlio desdobra diante dos olhos de seus leitores a compenetração horizontal da qual se falou antes.

 

As figuras A e T são retomadas e unidas por Lúlio na terceira figura, que é ao mesmo tempo a primeira figura de caráter combinatório, consistindo em 36 câmaras com combinações binárias da forma BC, BD, BE, etc., que se agrupam em oito colunas. Estas 36 câmaras resultam de nove elementos combinados de dois em dois sem repetição: 9! / [(9-2)! x 2!] = 36[27]. Cada uma destas letras pode ser tanto predicado como sujeito de uma predicação, podendo-lhe ser atribuído tanto o valor dos princípios absolutos quanto o dos princípios relacionais. Ao procedimento de desenvolver o conteúdo polissêmico de cada câmara, Lúlio dá o nome de evacuatio. Com isso, Lúlio pretende encontrar um nexo que relacione o predicado e o sujeito e assim obtermos juízos seguros[28].

 

Assim como a terceira figura resume as duas figuras precedentes, a quarta e última figura integra todas as figuras aqui expostas. Esta figura consiste de três discos que levam as letras do alfabeto luliano na sua periferia, sendo os dois interiores deles móveis. Ao se fazerem rodar estes discos, resultam 252 combinações ternárias sem repetição[29], significando para Lúlio a letra que está no centro da combinação o terminus medius do silogismo. Na combinação ternária BCD, por exemplo, BC seria a propositio maior, CD a propositio minor, C o terminus medius e BD a conclusão. A função desta figura é precisamente fornecer ao pesquisador os termos médios para que possa chegar a conclusões seguras. Para acabar de descrever a figura, ainda é preciso dizer que as combinações ternárias resultantes desta são –como as combinações da figura anterior– ambivalentes, já que podem receber tanto o valor dos princípios absolutos quanto o dos princípios relacionais. Para diferenciar estes significados, Lúlio delineia na quinta parte da Ars brevis as primeiras colunas de uma Tabula que, na sua totalidade, conta com 84 colunas de 20 elementos cada, resultando em um total de 1.680 combinações.

 

Contudo, o número elevadíssimo de perguntas que Lúlio gera com este procedimento, para apresentá-las ao juízo racional, é expressão da seu desejo de abranger toda asserção possível sem excluir previamente nenhuma delas. Pode-se dizer, então, que a função das figuras é garantir que no diálogo inter-religioso nenhuma combinação possível dos princípios básicos seja desconsiderada, ao mesmo tempo que o seu deslindamento sistemático facilite à razão sua tarefa de julgá-las e chegar à verdade.

 

A propósito do primeiro pilar da Arte luliana –os seus princípios–, já foram marcadas algumas diferenças importantes com respeito à lógica e à metafísica. Falta situar o segundo componente da Arte frente a estas duas ciências, ou seja, seu aspecto formal. Em primeiro lugar, poderia parecer que são precisamente as figuras as que fazem da Arte uma lógica por excelência. Porém, seguindo a finalidade das figuras expostas por Lúlio, temos que apontar uma diferença fundamental: nem as figuras, como tampouco os princípios, pretendem apenas garantir a correção formal do silogismo, mas vão muito além. De fato, pretendem ajudar o pesquisador a encontrar o nexo de uma proposição ou o termo médio do próprio silogismo; dessa forma elas também se tornam materiais no sentido de que são “poiéticas”. A Arte luliana quer ser, ao igual que a lógica, uma ciência demonstrativa, mas quer ir além disso, porque também almeja ser inventiva para encontrar cópulas e os termos médios[30]. Portanto, a Arte não só parte de princípios materiais, mas ao final volta a eles forjando a matéria, a base, para o silogismo, que por sua vez pode servir de base a novos raciocínios ou até como fundamento de outras ciências.

 

Esta teria sido para Aristóteles uma das tarefas principais da sua almejada ciência, a metafísica; mas a Arte de Lúlio transcende também as limitações desta ciência, já que não se limita a considerar Deus como o primeiro princípio, como faz a metafísica, mas por força da figura A, e, amparando-se na demonstratio per aequiparantiam[31], Lúlio entra aliás na reflexão sobre as relações intra-divinas que lhe permitem abranger também os mistérios da fé[32].

 

A Arte luliana não é, portanto, nem lógica nem metafísica, e é preciso encontrar seu lugar sistemático além destas. Por isto, o próprio Lúlio nas Introductoria Artis demonstrativae define sua ciência para além da separação entre a lógica e a metafísica:

 

“Pois a metafísica considera as realidades que se encontram fora da alma, em relação ao ser que têm em si mesmas; enquanto a lógica considera as realidades segundo o ser que têm na alma [...]. Esta Arte, por sua vez, como a mais alta dentre as ciências humanas, considera o ser tanto desta maneira como da outra, e disto se depreende que aquelas se distinguem da primeira pela maneira de considerar o sujeito[33]”.

 

Assim, fica claro que a Arte tem paralelismos com ambas as ciências, mas é precisamente a peculiar combinação entre a perspectiva formal com a material destas ciências que faz da Arte uma ciência filosófica missionária sui generis. Com efeito, esta é a ciência que, aos olhos de Lúlio, cumpre os requisitos para servir de base ao diálogo inclusivista das religiões e, aos nossos olhos, também para solucionar os problemas atuais referentes à discussão do diálogo inter-religioso. Explico-me: Lúlio também admite, junto com o teólogo pluralista, que para entrar em diálogo respeitoso e pacífico com os crentes de outras comunidades há de se afirmar que estes possivelmente tenham razão e que ele próprio possa estar equivocado. Porém, sua dúvida não é cética como a do teólogo pluralista, mas é filosófica, já que Lúlio dá um passo além deste, advertindo que existe uma instância onde esta dúvida sistemática pode ser resolvida, vale dizer, a instância da razão. Se ao final do ponto anterior estávamos nos perguntando qual poderia ser esta razão, depois do que foi dito não existe dúvida de que a Arte luliana é a resposta a esta pergunta, porque a Arte não só é uma filosofia universal, já que está aberta a todas as religiões e a todas as suas asserções, mas, ao mesmo tempo, é uma filosofia integral ao reunir em uma mesma ciência as perspectivas da lógica, da metafísica, da teologia e da ética[34]. Não é, portanto, nenhum exagero dizer que Lúlio, de fato, com esta ciência universal e integral, forja uma instância filosófica para o debate inter-religioso que vai além do relativismo de Hick, pois permite avaliar racionalmente a pretensão de verdade de cada uma das religiões a partir de seus comuns pressupostos lógico-ontológicos e éticos.

 

Certamente, a postura que Lúlio propõe não é nada cômoda para o crente, já que lhe exige estar constantemente disposto a duvidar da sua própria crença pelo respeito incondicional à verdade. E assim ouvimos o próprio Lúlio, numa das suas viagens à Tunísia, ao final da sua vida, dizer as seguintes palavras:

 

“Assim, Ramon, à medida que cada dia o procuravam mais expertos na lei de Mohamed, disse-lhes, entre outras coisas, que ele conhecia bem, em todos seus artigos, as razões da lei dos cristãos; e que viera ter com eles para converter-se à sua seita se depois de ouvir as razões de sua lei, expostas no seu diálogo –ou seja, a lei de Mohamed–, ele as achasse de maior validade que as dos cristãos”[35].

 

Contra os teólogos pluralistas, Lúlio sustenta, então, que a validade das razões filosóficas, entendidas em conformidade com a Arte como filosofia universal e integral, torna possível reconhecer uma determinada religião como a religião verdadeira em sentido eminente. Mais ainda, para Lúlio, estas mesmas razões são as que podem exigir uma adesão incondicional a uma religião determinada, até o ponto em que ele próprio, como acabamos de ver, põe à disposição sua fé católica.

 

3) Conclusão: Teologia pluralista das religiões versus Filosofia das religiões.

 

Frente à problemática atual que desenvolvemos no primeiro ponto desta comunicação, creio ter mostrado que Lúlio, como precursor do inclusivismo, conheceu o problema que os representantes da Teologia pluralista das religiões apresentavam sob o nome do dilema ecumênico. Porém, não concebeu esta problemática como aporética, mas ofereceu uma interessante solução que me parece poder ser resumida felizmente sob título “Filosofia das religiões”, que contrasta com o de “Teologia pluralista das religiões”. Creio poder dizer que a Teologia pluralista das religiões leva até seu último extremo o conceito de uma apologia que opera por autoridades, tirando aqui a conclusão de que a primazia entre as religiões é um assunto que não se pode decidir de uma vez por todas. A Filosofia das religiões, por sua vez, defende um conceito de apologia que se guia por um forma integral, por não dizer sapiencial, da filosofia, que parte dos pressupostos universais das religiões e que encontra sua expressão mais elaborada na Arte que acabamos de expor. Deste modo, a dúvida luliana não resulta aporética, nem redunda em uma relativização dos diferentes credos, mas serve como ponto de partida para um diálogo realmente frutífero.

 

Para acabar esta comunicação, quero, nestas últimas páginas de conclusão, voltar aos tempos de hoje e transpor os dois momentos-chave da Filosofia das religiões de Lúlio, a dúvida e a filosofia, ao discurso atual. Comecemos pois pela dúvida: poder-se-ia ter contestado que a dúvida nunca tem sido um conceito positivo, nem na teologia católica, nem nas outras tradições religiosas. E certamente é verdade, se por dúvida entendemos o distanciamento voluntário do homem da verdade por ele possuída, isto é, em termos tradicionais, precisamente o pecado[36]. Porém, existe um sentido positivo de dúvida que vem de Agostinho até Descartes, que lhe deu seu primeiro tratamento sistemático. E é nesta segunda tradição na qual temos de situar também Raimundo Lúlio. ‘Dúvida’ aqui significa a disposição do homem em seguir sempre em busca de uma verdade maior e suprema daquela que já possui. E embora seja uma crença católica a de que em Jesus Cristo cumpriu-se a revelação de uma maneira irrevogável e, por sua vez, insuperável, também para o cristão resta esta busca como obrigação. Isto porque, até o cumprimento do eschaton, Deus continua também para ele incompreensível na sua grandeza. Uma convicção que, por certo, também compartilhava Lúlio.[37]. Nessa perspectiva o cardeal Joseph Ratzinger escreve sobre a dúvida:

 

“Tanto o crente quanto o não-crente participam, cada um ao seu modo, da dúvida e da fé, quando não se escondem deles mesmos e da verdade do seu ser [...]. Talvez até poderia ser a dúvida, que a todos salva do ensimesmamento, o lugar onde se dê a comunicação entre ambos”[38].

 

Estas palavras de Ratzinger certificam a importância que também a Igreja católica concede ao conceito de dúvida na comunicação entre cristãos, crentes de outras religiões e não-crentes. Esta dúvida unida à filosofia universal e integral tem realmente, como afirma Ratzinger, boas possibilidades de contribuir para que se dê um passo adiante no diálogo inter-religioso, que não necessariamente tem de ser um diálogo entre religiões que renunciem à pretensão de ser as religiões por excelência, respectivamente.

 

Agora bem, que deve-se dizer sobre o segundo elemento da apologética luliana, a filosofia e sua relação com a teologia? Não se foram separando as diferentes religiões cada vez mais da filosofia, condenando até os esforços de seus adeptos de reconciliar ambas, como foi o caso do “modernismo” na Igreja católica? Parece que as religiões, ao reclamar serem a expressão de uma experiência sui generis, opuseram-se progressivamente ao conceito de razão e de filosofia; e, sem dúvida é assim, se por razão e filosofia entendemos os movimentos que levaram ao ecleticismo, ao materialismo, ao cientificismo e, ainda, ao nihilismo. Frente a estas tendências, as religiões apresentam-se como uma alternativa oposta. Porém, não por isso elas devem renunciar à filosofia na sua totalidade. Ao contrário, é possível criticar desde a religião a filosofia, para voltar a uma filosofia que não acredite ser auto-suficiente no seu racionalismo, e que, sendo não somente uma ontologia ou ética da imanência, se mantenha aberta às diferentes experiências do transcendente. E, de fato, esta filosofia que Lúlio reivindica com sua Arte também volta a ser reivindicada em nossos dias, como fica patente na encíclica Fides et ratio de João Paulo II[39]. Vamos citar aqui de novo Ratzinger em seu comentário a esta encíclica:

 

“O próprio da fé cristã no mundo das religiões é que afirma que ela nos diz a verdade sobre Deus, o mundo e o homem, e que pretende ser a ‘religio vera’, a ‘religião da verdade’. [Deste modo] a questão da verdade é a questão essencial da fé cristã e, neste sentido, a fé tem a ver inevitavelmente com a filosofia”[40].

 

Para Fides et ratio, o vínculo entre uma filosofia sapiente e a fé não só é possível, mas, como diz Ratzinger, é “inevitável”, ou, como sugere Lúlio com suas rationes necessarias, tal vínculo é necessário. E não somente é necessário para a auto-interpretação de cada uma das religiões, mas, sobretudo, para o diálogo, como também aponta aqui Ratzinger. É, então, desde o próprio interior da Igreja que se concebe novamente hoje a necessidade de uma filosofia universal e integral para o diálogo inter-religioso, assim como foi proposta por Lúlio há 800 anos.

 

Porém, ao citar duas vezes Ratzinger não quero dar lugar a mal-entendidos, sugerindo que a teoria do diálogo inter-religioso de Lúlio pudesse ser também a política da Igreja como instituição. A teoria luliana é antes de tudo uma teoria para o diálogo inter-religioso dos crentes. A Igreja, por sua vez, não pode duvidar de sua verdade em matérias de fé, nem tampouco deve submetê-las ao critério da razão, pelo menos não no sentido de que esta constitua sua verdade. E isto por um motivo muito simples: ela própria não é o sujeito do ato de acreditar, mas seu objeto, ou seja, é a verdade que deve ser acreditada e que, isto sim, por cada um dos crentes deve ser tratada a partir da perspectiva que expusemos ao longo destas páginas. Porém, como ela própria é parte desta crença, não pode questionar-se a si mesma sem implicar-se em contradições. É por este motivo que não creio que seja possível que a Igreja católica como instituição possa ir além das asserções sobre o inclusivismo do Vaticano II e do documento Christianity and the World Religions, no qual se afirma, como em Rahner, a presença da divina graça nas demais religiões que, assim, podem levar o homem à salvação[41]. Mas estas asserções oferecem, como creio ter demonstrado, certas coordenadas dentro das quais é possível realizar-se um diálogo filosófico das religiões, sério e pacífico, para o qual a figura do maiorquino universal Raimundo Lúlio é mais que um ponto de referência obrigatório. Ademais, estou convencido de que somente ponderando as religiões desde uma filosofia universal e integral, entendida no sentido dado por Lúlio, é que se pode fazer justiça às diferentes vozes do diálogo inter-religioso, sendo que cada uma reclama representar a verdade incondicional. A Teologia pluralista das religiões, ao contrário, parece querer fazer um favor a estas vozes ao conceder a cada uma delas uma verdade relativa, mas na realidade não satisfaz com isto as exigências de nenhuma delas.

 

Desta maneira, a perspectiva inclusivista, junto com a Filosofia das religiões de Lúlio, parecem-me ser, por enquanto, o caminho mais promissor para chegarmos à coexistência pacífica entre as diferentes religiões que o próprio Lúlio invocava tão desesperadamente no início do seu Llibre del gentil e dels tres savis[42]. Não é necessário dizer que esta coexistência pacífica das religiões é uma condição necessária para um dos maiores desafios da contemporaneidade: a paz entre os povos, embora –como tenho de advertir– não seja sua condição suficiente[43].

 

 

Apêndice

Figura A

Figura T

 

Terceira Figura

 

Quarta Figura

 

 

 

 


* Esta comunicação foi lida durante o Seminário Internacional “Raimundo Lúlio e o Diálogo Inter-religioso”, organizado pelo Instituto Brasileiro de Filosofia e Ciência “Raimundo Lúlio” e o Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo nos dias 18 e 19 de outubro de 2001 na Universidade de São Paulo.

[1] Veja-se para um bom estudo de conjunto desta questão a monografia de Reinhold Bernhardt, Der Absolutheitsanspruch des Christentums. Von der Aufklärung bis zur Pluralistischen Religionstheologie, Gütersloh 1990. Assim como a breve, mas sugerente nota de Georg Evers, “Die Wetterecke gegenwärtiger Theologie. Stand und Probleme des interreligiösen Dialogs”, em: Herder-Korrespondenz 43 (1989), pp. 75-80.

[2] Veja-se Cyprianus, Opera omnia, pars secunda (CSEL III), Vindobonae 1871, Ep. 73, 21, p. 795.

[3] Veja-se o artigo fundamental de Karl Rahner, “Das Christentum und die nichtchristlichen Religionen”, em: Id., Schriften zur Theologie, 16 vols., Zurich 1967-1984, aquí vol V, pp. 136-158.

[4] Veja-se Justinus, Apologia (PG VI), París 1857, I, 5, 44 y 46.

[5] Veja-se Karl Rahner, art. cit., p. 143.

[6] Veja-se ibid., p. 154.

[7] Veja-se a nota 41 mais adiante.

[8] Veja-se Christianity and the World Religions, Roma 1997.

[9] Assim, por exemplo, Paul F. Knitter, Ein Gott – viele Religionen. Gegen den Absolutheitsanspruch des Christentums, Munich 1988, pp. 62-63.

[10] Para uma orientação sobre a teologia pluralista das religiões, veja-se o volume coletivo editado por John Hick e Paul F. Knitter, The Myth of Christian uniqueness. Towards a Pluralistic Theology of Religions, Maryknoll 1987, com colaborações de Langdon Gilkey, Raimundo Panikkar e Stanley J. Samartha, entre outros.

[11] A crítica de Hick foi publicada pela primeira vez sob o título “The Latest Vatican Statement on Christianity and Other Religions”, In: New Blackfriars 79 (1998), pp. 536-543. Agora encontra-se editado novamente em John Hick, Dialogues in the Philosophy of Religion, Hampshire 2001, pp. 161-168.

[12] John Hick, art cit., p. 168 (segundo a nova edição): “[..] one cannot logically affirm the unique superiority of the Christian faith without ‘considering other religions in advance as imperfect and inferior’. It is impossible to reconcile the traditional claim to the unique superiority of Christianity with the outlook required for genuine interreligious dialogue.” As aspas indicam que Hick cita o texto mencionado na nota 8.

[13] Veja-se, para uma sugestiva crítica à teologia pluralista, a réplica no livro editado por Gavin D’Costa, Christian Uniqueness Reconsidered. The Myth of a Pluralistic Theology of Religions, Maryknoll 1990, que contesta diretamente o livro citado na nota 9. Assim como Reinhold Bernhardt, op. cit., pp. 199-225.

[14] Esta obra, que é uma das fontes principais de dados sobre a vida do Beato, está publicada no tomo número VIII das ROL. – A parte dos dados extraíveis desta autobiografia assim como as indicações explícitas nas demais obras lulianas resulta muito útil para a nova recompilação de documentos sobre Lúlio por parte de Jocelyn N. Hillgarth, Diplomatari lul·lià: documents relatius a Ramon Llull i a la seva família, Barcelona 2001.

[15] Veja-se ROL VIII, pp. 274-276: “[...] quod melius sive maius servitium Christo facere nemo posset, quam pro amore et honore suo vitam et animam suam dare. [...] quod ipse facturus esset postea unum librum, meliorem de mundo, contra errores infidelium. [...] quod iret ad papam, ad reges etiam et principes christianos, ad excitandum eos [...], quod constituerentur [...] monasteria, in quibus electae personae religiosae [...] ponerentur ad addiscendum praedictorum Saracenorum et aliorum infidelium linguagia [...]”

[16] Não nos deteremos aqui a apresentar detalhadamente todos os elementos inclusivistas em Lúlio assim como as diferenças entre a postura luliana e o inclusivismo. Para isto, remito-me ao trabalho de Walter Andreas Euler, Unitas et pax. Religionsvergleich bei Raimundus Lullus und Nikolaus von Kues, Würzburg 1990, esp. pp. 255-262.

[17] Veja-se ROL VIII, p. 280: “In quo [monte], cum iam stetisset non plene per octo dies, accidit quadam die, dum ipse staret ibi caelos attente respiciens, quod subito Dominus illustravit mentem suam, dans eidem formam et modum faciendi librum, de quo supra dicitur, contra errores infidelium.”

[18] Não podem ser apresentadas aqui as obras apologéticas que Lúlio escreveu, nem sequer seus diálogos inter-religiosos. Para isto veja-se o estudo exaustivo, que resume muito bem o status quaestionis, ao mesmo tempo em que abre perspectivas interessantes sobre o tema, de Fernando Domínguez, “Der Religionsdialog bei Raimundus Lullus. Apologetische Prämissen und kontemplative Grundlage”, em: Klaus Jacobi (ed.), Gespräche lesen. Philosophische Dialoge im Mittelalter, Tubinga 1999, pp. 263-290.

[19] Raimundo Lúlio, La lògica del Gatzzell, em: Jordi Rubió i Balaguer, Ramon Llull i el lul·lisme, Barcelona 1985, pp. 144-164, aqui pp. 152-153, versos 641-666: “Aytal vos han li infidel / qui descreson que Deus del cel / sia en santa trinitat, / ni’n santa Maria encarnat, / car al començ de la rahó / descreon e dien que no, / e cor descreon en primer, / lur enteniment en derrer / no ha ab que vaya cercar / so que ell pogra atrobar / si no li’nbarguas sa virtut / l’inpossibol, qui es creut / al començar del disputar; / a qual los valgra mays duptar, / car per duptar es demostrat / ço que es possibilitat.”

[20] Raimundo Lúlio, Llibre de Evast e Blanquerna, ed. Salvador Galmés, 4 vols., Barcelona 1935-1954, vol. II, pp. 157-158: “Altra natura a l’enteniment a entendre, ço és a saber, que hom aferm possible cosa ésser aquella cosa que la volentat vol que·l enteniment entena; cor si, ans que·l enteniment la entena, aferma inpossibilitat ésser en aquella cosa, l’enteniment no serà aparellat com pusca entendre la possibilitat o impossibilitat qui serà intel·ligible en aquella cosa. [...] e si tant és que per totes aquestes no puscha entendre, cové que hom recorra a la Art breuyada d’atrobar veritat.”

[21] Raimundo Lúlio, Llibre de demostracions, ORL, XV, p. 4: “Segona condició es que hom aferm possíbol cosa esser al enteniment entendre per necessaries rahons [...]; cor si en lo comensament era negada possibilitat, l’enteniment no auria endressament ni aparellament com pogués entendre ni ensercar si a ell es possíbol o impossíbol cosa entendre [...]”

[22] A relação complementária de razão e fé é um dos traços mais característicos do pensamento de Lúlio, que se opôs com toda sua força ao intento averroísta de separar ambas –intento que também na atualidade continua tendo seus defesores-. Veja-se sobre o tema, entre outros, o recente trabalho de Jordi Pardo Pastor.

[23] Veja-se Joseph Bochenski, Formale Logik, Munich 1956, pp. 318-320, onde Lúlio aparece como precursor do cálculo lógico, e Wilhelm Risse, Die Logik der Neuzeit, Stuttgart-Bad Canstatt 1964, p. 532, no qual o autor defende todo o contrário, ou seja, que a Arte luliana é “in ihrem Grunde metaphysisch, nicht logisch”.

[24] Veja-se Raimundus Lullus, Ars brevis, ed., trad. e introd. Alexander Fidora, Hamburg 1999, p. 4; o esquema é meu.

[25] Igualmente na Ars brevis, na qual Lúlio já não fala de dignidades. Devo esta importante precisão assim como outras emendas à minha edição da Ars brevis à recensão de por Anthony Bonner em Studia Lulliana, 40 (2000), pp. 131-132.

[26] Para uma análise detida desta regra, que pode ser muito proveitosa para as idéias que aqui desenvolvemos, leia-se Esteve Jaulent, “Breu consideració sobre la Regla B de l’Ars lulliana”, en: Revista internacional d’humanitats, 2/2 (1999), pp. 23-336.

[27] Uma boa introdução aos conceitos matemáticos de Lúlio encontra-se em Umberto Eco, La búsqueda de la lengua perfecta en la cultura europea, trad. Ma. Pons, Barcelona 1994; veja-se todo o capítulo “El Ars magna de Raimundo Lúlio”, y esp. pp. 55-64.

[28] O próprio Lúlio define o objetivo desta figura na sua Ars brevis, ed. cit., p. 18, da seguinte maneira: “In qualibet camera sunt duae litterae, in ea contentae; et ipsae significant subiectum et praedicatum. In quibus artista inquirit medium, cum quo subiectum et praedicatum coniunguntur; sicut bonitas et magnitudo, quae coniunguntur per concordantiam, et huiusmodi. Cum quo medio artista intendit concludere et propositionem declarare.”

[29] Este número resulta da seguinte operação: Se fixamos um elemento do círculo exterior, a este pode ser contraposto 8! / [(8?2)! x 2!] = 28 combinações binárias. Repetindo esta operação com as nove letras do círculo exterior obtemos 9 x 28 = 252 combinações ternárias.

[30] O caráter inventivo da Arte já foi apontado por Eusebi Colomer em 1979 no seu estudo clássico “De Ramon Llull a la moderna informàtica” reproduzido no seu livro El pensament als Països catalans durant l’Edat mitjana i el Renaixement, Barcelona 1997, pp. 85-112, esp. p. 90. Contudo, é mérito indiscutível de Josep Ma. Ruiz Simon ter estudado em detalhe esta questão na sua obra Ramon Llull i la teoria escolàstica de la ciència, Barcelona 1999.

[31] Veja-se sobre os três tipos de demonstração em Lúlio, entre outros, o artigo de Esteve Jaulent, “Arbor scientiae: Immanenz und Transzendenz im Denken Llulls”, en: Zeitschrift für Katalanistik, 11 (1998), pp. 8-32, esp. pp. 21-22.

[32] Veja-se também para este aspecto o livro de Josep Ma. Ruiz Simon mencionado na nota anterior, esp. pp. 297-306.

[33] MOG III, p. 55: “Metaphysica enim considerat res, quae sunt extra animam, prout conveniunt in ratione entis; Logica autem considerat res secundum esse, quod habent in anima [...] sed haec Ars tanquam suprema omnium humanarum Scientiarum indifferenter respicit ens secundum istum modum et secundum illum; et sic patet ut in modo considerandi ex parte subiecti differunt.”

[34] A este respeito, Eusebi Colomer fala da “onto-teo-logía” luliana; veja-se, por exemplo, seu livro De la Edad Media al Renacimiento: Ramon Llull, Nicolás de Cusa, Juan Pico della Mirandola, Barcelona 1975, p. 57. Sem dúvida, este conceito é problemático, sobretudo quando com ele queremos sugerir uma relação entre Lúlio e o Idealismo alemão, como aponta Esteve Jaulent, “Arbor scientiae...”, art. cit., esp. pp. 28-31.

[35] Raimundus Lullus, Vita coaetanea, ROL VIII, p. 289: “Raimundus ergo, convocatis paulatim de die in diem peritioribus in lege Machometi, inter alia dixit eis, se bene scire rationes legis christianorum in omnibus suis articulis; et ad hoc se venisse, quod ipse, auditis rationibus legis eorum, scilicet Machometi, si inveniret illas, habita inter ipsos super his collatione, validiores, quam rationes christianorum, converteretur ad sectam eorum.”

[36] Veja-se sobre os diferentes conceitos de dúvida e sua valoração moral desde a teologia atual, a entrada s.v. “Zweifel” em Karl Rahner y Herbert Vorgrimler (eds.), Kleines theologisches Wörterbuch, Friburgo de Br. 51965, p. 393.

[37] Veja-se, por exemplo, a terceira condição do prólogo ao Llibre de demostracions, ed. cit., p. 4, onde Lúlio defende que tem de ser atribuída a Deus uma maior nobreza do que o intelecto humano possa conceber.

[38] Joseph Ratzinger, Einführung in das Christentum. Vorlesungen über das apostolische Glaubensbekenntnis, Munich 1990, p. 24: “Der Glaubende wie der Ungläubige haben, jeder auf seine Weise, am Zweifel und am Glauben Anteil, wenn sie sich nicht vor sich selbst verbergen und vor der Wahrheit ihres Seins. […] Vielleicht könnte so gerade der Zweifel, der den einen wie den anderen vor der Verschließung im bloß Eigenen bewahrt, zum Ort der Kommunikation werden.”

[39] Das várias publicações que têm saído com motivo da encíclica só mencionamos aqui Víctor Sanz (ed.), La encíclica ‘Fides et ratio’ y la filosofía, monográfico do Anuario filosófico 32/3 (1999).

[40] Joseph Ratzinger “Fe, verdad y cultura...”, introd. citado por Eudaldo Forment, “Modelos de pensamiento y Filosofía cristiana a comienzos del tercer milenio”, em: Tópicos. Revista de filosofía 19 (2000), pp. 71-116, aqui p. 109.

[41] Nostra aetate, núm. 2, traduzimos de Karl Rahner e Herbert Vorgrimler, Kleines Konzilskompendium. Sämtliche Texte des Zweiten Vatikanums, Friburgo de Br. 181985, p. 356: “A Igreja católica não rechaça nada do que nestas religiões [ou seja, Hinduísmo, Budismo, Islam e Judaísmo] há de verdadeiro e sagrado. Com grande respeito considera os estilos de viver e de agir que diferem em alguns casos do que ela mesma crê verdadeiro e ensina, mas que, não poucas vezes, deixam reconhecer o raio de luz que ilumina todos os homens. Porém, incansavelmente prega e deve pregar Cristo, quem é ‘o caminho, a verdade e a vida’ (João 14, 6) onde os homens encontram a plenitude da vida religiosa e onde Deus tem reconciliado todos consigo mesmo (veja-se II Cor 5, 18ss)”.

[42] Hans Küng já vem insistindo há anos na importância do diálogo inter-religioso para a pacificação do mundo: “Kein Weltfrieden ohne Religionsfrieden”, assim sua divisa (retomada novamente no seu livro Weltethos für Weltpolitik und Weltwirtschaft, Munich 1997, p. 160). Não obstante, e como o próprio Küng tem indicado, tampouco devemos acreditar que todos os conflitos bélicos de nossos dias são, no fundo, conflitos culturais e/ou religiosos, como insinua Samuel P. Hutington, “The Clash of Civilizations?”, em: Foreign Affairs 72/3 (1993), pp. 22-49.

[43] Veja-se Ramon Llull, Llibre del gentil e dels tres savis, ed. Antoni Bonner, Palma 1993, pp. 11-12: “A, con gran benahuyrança sserria aquesta, si per aquests arbres podiem esser en una lig e en una creenssa tots los homens qui som! E que la rancor ni la mala volentat no ffos en los homens qui ayren los uns los altres per desvariació e per contrarietat de creenses e de sectes. [...] Cogitans, senyors –dix lo savi a sos companyons–, quants son los dans qui·s seguexen com los homens no an una secta tan solament, ni quants son los bens que sserien si tuyt aviem una ffe, una lig.”

 
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