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ESTADO ATUAL DA INVESTIGAÇÃO LULLIANA
 
 

Lúlio sempre se preocupou em preservar a sua obra escrita. E seus discípulos também tiveram a mesma atitude com relação às obras do mestre. O primero deles, Le Myésier, elaborou em 1325 a principal síntese do pensamento de Lúlio. que até hoje se escreveu.

O lulismo se estendeu por mais de trezentos anos. Até o século XVII, apesar da violenta perseguição do inquisidor Nicolau de Eymerich, no século XIV, e do muro de receios que deixou como herança nas esferas eclesiásticas, o lulismo alcançara, sobretudo no Renascimento, dimensões extraordinárias. Talvez isso se deveu ao fato de que, como assinala Miguel Cruz Hernández, a grande virtude do lulismo foi e continua sendo o entusiasmo de seus seguidores. De fato, no fim da Idade Média, já encontramos "bibliotecas lulianas" em Paris, Gênova, Maiorca, Barcelona e Roma.

Numerosas cópias de manuscritos lulianos foram parar também na Alemanha, graças ao entusiasmo lulista de Nicolau de Cusa. Na península ibérica, é claro, havia escolas de lulismo em Mallorca, Barcelona, Valência, Saragoça e Alcoy.

Mas os anos mil e seiscentos foram de decadência para o lulismo.

Porque, então, a partir do século passado voltou-se a estudar Raimundo Lúlio? Alguns atribuem o renascer do lulismo na modernidade à primeira edição sistemática e total do Corpus Lullianum Latinum, realizada em Maguncia, a pátria de Gutenberg, por Ivo Salzinger, nos começos do século XVIII. Mas haveria que colocar a origem um pouco antes. Na realidade Salzinger fora atraído para o lulismo pelas tentativas de renovar a Arte universal do Lúlio que fizeram o Pe. Izquierdo, Kircher e sobretudo Leibniz. Como é sabido, Leibniz, obcecado durante toda a sua vida por uma arte combinatória, tinha em alta estima a Arte de Lúlio.

A edição maguntina teve de fato um enorme impacto. Houve um ressurgimento lulista, principalmente na Alemanha e em Mallorca, com forte intercâmbio de pesquisadores entre Maguncia e Palma.

Mas a edição de Salzinger não chegou a seu fim. De 244 obras latinas que constam no catálogo do Bonner, só 48 foram publicadas. Comparadas com antigas edições, e sobretudo com a tradição manuscrita, torna-se claro que essa edição tinha pouquíssimo valor crítico. Além disso, continha diversas obras espúrias.

No ano de 1956 mais de cem obras latinas de Lúlio ainda permaneciam inéditas. Lúlio escreveu também em árabe e catalão. Das obras escritas em árabe não há o mínimo rastro. A edição das obras catalãs, foi iniciada em 1906 por Mateus Obrador e continuada por Salvador Galmés. De 52 obras catalãs, 40 já estão editadas.

Era necessário, pois, pôr ao alcance dos pesquisadores que queriam estudar Lúlio em sua totalidade a imensa produção latina desse filósofo.

Empolgados por este projeto, um grupo de colaboradores de Salvador Galmés fundou nos anos trinta, antes da guerra civil espanhola, a Maioricensis Schola Lullistica, e a esse organismo devemos o impulso decisivo para iniciar tamanha obra. Entre seus cofundadores encontrava-se um pesquisador alemão, Ludwig Klaiber, bibliotecário na Biblioteca universitária de Friburgo que falava perfeitamente bem o castelhano e o catalão e que graças às suas freqüentes viagens de estudo pela península ibérica mantinha estreitas relações com personalidades das letras catalãs.

Foi desse apaixonado lulista que partiu a idéia de colocar o projeto de edição científica da obra latina de Lúlio nas mãos de Friedrich Stegmüller, catedrático de Teologia da Universidade de Friburgo, um nome de reconhecida fama nos círculos do medievalismo europeu da época. Stegmüller, discípulo de Martin Grabmann que orientou sua tese doutoral em 1928, foi o autor do Repertório de todos os comentários ao livro das Sentenças de Pedro Lombardo(1937) e do monumental catálogo, um segundo Repertório, de mais de 10.000 comentários bíblicos realizados na Idade Média do século IV ao XV(1949). Ambas as obras constituem hoje em dia um ponto de partida imprescindível para os medievalistas, por apresentarem uma constelação de autores e escolas que até poucos decênios eram praticamente desconhecidos.

Pois bem, com sua experiência de pesquisador medievalista e a sua capacidade organizativa, Stegmüller logo soube o que deveria fazer para assegurar a continuidade ao projeto de edição. Convenceu o Conselho da Faculdade de Teologia de Friburgo e este erigiu um centro de pesquisa luliana, o Raimundus-Lullus-Institut.

O Instituto começou a funcionar oficialmente em janeiro de 1957 e até hoje as despesas de pessoal e de material estão a cargo do Estado de Baden-Württemberg. Contam com orçamento anual com fundos da Universidade e de diversas instituições alemãs.

O plano da edição revela a marca do gênio de Stegmüller. Como as primeiras obras de Lúlio - as grandes Artes - já tinham sido publicadas por Salzinger, decidiu-se começar a nova edição pelas últimas, todas elas inéditas. Estas obras, copiadas e recopiadas freqüentemente dos séculos XIV ao XVI, mostram um Lúlio que tenta superar os pontos de vista da Escolástica criando uma Logica nova, uma Physica nova e uma Metaphysica nova, isto é, uma nova metodologia científica. Este Lúlio da última época foi o que fascinou Nicolau de Cusa, Pico della Mirandola e Giordano Bruno.

A base da edição é o Manuale Lullianum, que compreende uma relação de todas as obras autênticas do Lúlio, com recensões, traduções e edições havidas, e os dados sobre os respectivos manuscritos. Realizou-se um esforçado trabalho de microfilmagem por todas as bibliotecas européias e atualmente o RLI conta com 2.126 microfilmes de conteúdo exclusivamente luliano. Não apenas se encontra lá a tradição latina mas também quase toda a tradição catalã, antigas traduções e impressões de difícil acesso.

Possuem também um catálogo e um índice de lulistas, anti-lulistas e pesquisadores do lulismo, com indicação de obras manuscritas e edições. Formou-se uma biblioteca de incunábulos e de antigas impressões lulianas, além de uma rica literatura complementar. Podemos afirmar que a bibliografia luliana fundamental hoje está completa e ao alcance dos pesquisadores. Em poucos anos o RLI - embora lá não se trabalhem apenas temas lulianos mas uma ampla gama de questões medievalistas -, tornou-se um centro de investigação, um ponto de referência para o lulismo internacional, que oferece aos pesquisadores todo o material necessário para seus estudos.

A partir de 1972 o abade do mosteiro de São Pedro de Steenbrugge (Bélgica), Eligius Dekkers, responsável pela edição do "Corpus Christianorum" abriu esta prestigiosa coleção à obra de Raimundo Lúlio. As possibilidades financeiras da Maioricensis Schola Lullistica não acompanhavam o ritmo acelerado do Instituto alemão de tal modo que de quatorze livros terminados até esse ano, só se puderam publicar cinco. Com a entrada da Brepols resolveu-se o problema. Atualmente dos 40 volumes que provavelmente terá a edição já foram publicados 20.

Contando já com a ajuda dessas obras, a pesquisa luliana seguiu caminhos bem diversos. É claro que temas como o influxo da cultura árabe no pensamento de Lúlio, as suas polêmicas com judeus e muçulmanos, as analogias com pensadores modernos, sua lógica simbólica, etc. continuarão a interessar sempre, mas hoje creio que domina em muitos o desejo de penetrar na totalidade de seu pensamento e descobrir a matriz geradora, o núcleo metafísico implícito na sua tão discutida Arte.

Esteve Jaulent



Bibliografia básica para este texto:
F. Dominguez Reboiras "El Raimundus Lullus Institut de la Universitat de Fribourg (Alemanya), em "El Català" a Europa i a América (Montserrat 1983) pp. 131-153.

 

 
   
Breviculum, miniatura 11:
Ramon Lull i Thomas Le Myésier
 
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